sexta-feira, 14 de dezembro de 2007


MEMÓRIAS DE PASSA QUATRO
“Helena Carneiro”

A Inauguração da Estrada de Ferro Minas e Rio
“1884”

Um friozinho irritante subia da terra úmida e as gotas de orvalho pendiam trêmulas nas verdes folhas e nas flores perfumadas. A passarada traquina rasgava a amplidão do espaço, enquanto o vozerio ruidoso dos animais saudava aquela formosa manhã de inverno. E, já o sol dourava os pícaros dos montes quando os bandos de roceiros, em trajes festivos, desciam pelas picadas e vinham ter à Freguesia.
Ao redor da pequenina Igreja de S. Sebastião de Passa Quatro ou na estaçãozinha recém-construída em meio de esguios pinheiros, grupos alegres e palradores iam se formando, de quando em quando, foguetes explodiam no ar.
Cada cavalhada que se aproximava era recebida com estrepitosas manifestações de prazer.
Eram os Ribeiros Pereiras, os Tibúrcios Ribeiro, os Mottas, os Guedes, os Vieiras, os Lamins, os Almeidas, os Ferreiras, os Siqueiras, que, unidos pelo parentesco e por uma amizade sincera, palestravam animadamente.
Que teria sucedido na pacata freguesia de Passa Quatro, para atrair assim toda a sua população?
Que motivo teria feito reunir à sombra da mesma árvore esses homens, que tempos atrás se debateram em tão terrível luta eleitoral?
Por que eram tão ansiosamente esperados os amigos vizinhos de Pouso Alto, Capivari, Virgínia, Itanhandu e São José do Picu?
Por que tanto foguete, tanta música e tantas flores?
Que festa seria essa que tanto entusiasmo e tanta alegria dava a essa gente montanhesa?
É que nesse memorável dia 14 de junho de 1884 inaugurava-se a Estrada de Ferro Minas e Rio, com a presença de Suas Majestades, os Imperadores do Brasil.
Havia a Diretoria anunciado que Suas Majestades, após o almoço em casa do Major Manoel de Freitas Novais, o patriarca de Cruzeiro, para aqui partiriam, demorando apenas o tempo necessário para o abastecimento das locomotivas. Daqui seguiriam o comboio imperial diretamente a Três Corações, passando somente alguns segundos nas estações do Carmo e Contendas, a fim de apanhar os Barões do Monte Verde e Contendas, respectivamente.
Eis por que eram esperados os habitantes dos lugarejos vizinhos.
Altas patentes da gloriosa Guarda Nacional, políticos, homens de posição, gente de toda a espécie para cá afluíam apressadamente.
A alegria e o entusiasmo iam aumentando à medida que se aproximava a hora determinada para a chegada dos Imperadores.
Já ia alto o sol quando foi anunciada a aproximação do trem real.
Um frenesi correu entre o povo.
Os foguetes estouraram impetuosamente.
A banda de música iniciou o Hino Nacional.
O Capitão Francisco Catarina Rodrigues, de Capivari, assumiu o comando da Guarda Nacional já formada.
Ouviu-se o apito da locomotiva.
Vivas entusiastas encheram os ares.
Mas... não era o comboio imperial!
Era a máquina escoteira, a “Buarque de Macedo” que vinha na vanguarda patrulhando a linha.
Todos se despontaram com o sorriso britânico do maquinista Charles Beek.
Rápido foi o cômico incidente.
Aproximou-se, enfim, o trem real.
Parou.
Desceu S. Majestade D. Pedro II, o magnânimo Imperador das Províncias Unidas do Brasil, que foi vivamente aclamado. Acompanhava-o sua filha, Imperial Princesa D. Isabel.
Todos quiseram aproximar-se e beijar-lhes as mãos augustas.
Não houve discursos.
O protocolo, a pedido de Sua Majestade, os dispensou. Ele quis apenas entrar em contato com os súditos montanheses. Estava satisfeito! A inauguração desta estrada era uma das suas grandes aspirações.
Desceu a comitiva real. Num dos carros ficara repousando S. Majestade D. Tereza Cristina, acompanhada de suas damas e do genro o Marechal Conde D’Eu, recebendo apenas D. Anna da Motta Paes, a venerada Fundadora de Passa Quatro e sua filha D. Francisca Ribeiro Pereira Tibúrcio, com ela mantendo agradável palestra.
O chefe do tráfego deu o sinal de partida. Todos embarcaram.
Partiu a máquina escoteira e dez minutos depois, Henrique Turner, chefe da oficina local, servindo de maquinista na “Couto de Magalhães”, a célebre locomotiva nº 7, deu o sinal e movimentou o trem que, apenas em algumas dezenas de minutos, trouxe a Passa Quatro um dos maiores e dos mais gloriosos dias de sua História.